quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"A Restauração da Narrativa" por Luis Alberto de Abreu

Nós estamos entrando num novo processo de montagem, baseado nos contos do poeta João Nery, que resultará num novo espetáculo, ainda sem data de estreia prevista.
Além dos contos, estamos lendo alguns textos teóricos, que vão nos ajudar nesse processo, e queremos compartilhá-los com vocês, esse será o primeiro de muitos que postaremos.

Até mais, e boa leitura!

A Restauração da Narrativa


O texto lança alguns elementos de raciocínio sobre o processo histórico de distanciamento dos valores públicos e privados e de como isso afetou profundamente não só a geometria da cena como alterou e limitou as funções de seus criadores e a relação espetáculo/público. E propõe um reequilibrio dos elementos épicos e narrativos, fundamentais na arte teatral, como uma das formas de busca da restauração da unidade entre espetáculo e público.


Sempre admirei o surpreendente processo que leva um paleontólogo a refazer, a partir de um fragmento de osso, não só toda a ossatura de um animal pré-histórico como seu aspecto, hábitos, costumes, o meio em que viveu e uma multidão de informações sobre aquele espécime. Guardadas as devidas proporções é como um fascinante jogo de investigação policial onde um pequeno e significativo detalhe se compõe com inúmeros outros, formando uma geometria que nos dá o rosto do criminoso, o aspecto de um animal ou o retrato de uma sociedade. Penso que foi por causa desse fascínio que me habituei a querer ler sinais e me tornei dramaturgo. Dramaturgia não é mais do que ler sinais por trás de uma ação ou de uma expressão humana. Em Medéia, Eurípedes nos revela um universo profundamente humano a partir de um crime bárbaro. O mesmo faz Ibsen que, a partir de uma pequena nota de página policial constrói Casa de Bonecas, um texto fundamental na moderna história da dramaturgia.
Foi a capacidade de ler sinais, imagino, que levou Mikhail Bakhtin, a escrever "Cultura popular na Idade Média e no Renascimento", um livro que considero fundamental para qualquer dramaturgo ou estudioso ligado a teatro ou não[1]. Nele, o filólogo russo, a partir de um sinal (o riso) discute, entre outras coisas, todo o processo que levou a sociedade a transitar de uma forte noção de corpo social presente na Idade Média à afirmação de corpo individual como noção predominante no período do Romantismo. No bojo dessa transformação (e isso já é dedução minha), valores, procedimentos, ações, imagens, histórias coletivas perdem a importância em relação a valores, procedimentos, ações, imagens e histórias individuais.

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