domingo, 9 de novembro de 2003

Entrevistando Roger Neves

Pra quem não conhece, o Roger é o idealizador do Informativo Ôxe!, que circula na cidade de Francisco Morato, e dessa vez, ele passa de entrevistador para entrevistado. Vamos conhecer um pouco de sua história e qual foi o caminho que ele percorreu pra chegar até aqui.
Confira abaixo!



Qual seu nome completo e idade?
Roger E. Neves, tenho 34 anos bem vividos (acho :).

Onde nasceu e onde mora atualmente?
Nasci na capital paulistana, mais precisamente no bairro da Lapa, e me mudei na década de 80 para a cidade de Francisco Morato, na grande São Paulo, onde vivo desde então.

Qual seu nível de instrução?
Superior incompleto.

O que é o Informativo Ôxe! ?
O Informativo Ôxe! é uma publicação mensal, livre e democrática, produzida e distribuída em uma das cidades mais pobres e com o pior IDH da região metropolitana de São Paulo. Tem como objetivo propiciar a população um veículo para livre expressão, assim como dar suporte à artistas e realizadores culturais, bem como incentivar a colaboração e solidariedade entre as pessoas, o uso de softwares livres (LINUX) e a produção, difusão e utilização de conteúdos livres. É impresso em papel jornal, em formato tabloide (280x317mm), composto de oito páginas coloridas e tem tiragem de 5000 exemplares.

Como, quando e por quê surgiu a ideia de criar o informativo?
Em 2007 houve na cidade um movimento, do qual fiz parte, entre realizadores culturais que culminou na criação do primeiro Conselho Municipal de Cultura, ao qual nos candidatamos e fomos eleitos como conselheiros para os anos de 2008/2009. Durante este mandato, pudemos perceber que 1-) a população mal ficou sabendo desta e outras conquistas que este grupo realizou para a cidade e 2-) a população não toma parte e não se interessa pelas questões culturais do município. Francisco Morato, tida como “cidade dormitório” , é um município carente em muitos aspectos, em particular, de produtos culturais e meios de comunicação. A maioria dos veículos de mídia que circulam na região tem como objetivo as verbas de publicidade do poder público, não tendo, consequentemente, preocupação com seus conteúdos ou seu público-alvo, muito menos espaço para que as pessoas possam se expressar e tratar dos assuntos que são de seu interesse. A menos que se pague por este espaço.
Justamente para suprir esta carência por um espaço aberto, democrático, apartidário, livre e gratuito para toda a população e por um veículo de mídia independente que pudesse ser um fórum permanente de discussão da realidade sócio-cultural da região que nasce o Informativo Ôxe!. Mais que um veículo militante da cultura, este informativo já nasce com a missão de democratizar o acesso a informação e permitir a livre expressão de todos os moratenses, além de ser suporte para as diferentes iniciativas culturais independentes da região. Ele nasce da certeza de que ideias novas geram novas soluções e experiências e que a colaboração entre as pessoas pode contribuir positivamente para o exercício da plena cidadania e a construção de um município melhor e mais digno.

Quantas e quais pessoas você acredita que o Ôxe! atinge?
O Ôxe! conta hoje com a distribuição de 5.000 exemplares em mais de 25 pontos diferentes na cidade, o que significa cerca de 3,17% da população do município. Além disso temos um blog na internet com cerca de 350 acessos mensais e uma mala direta, na qual divulgamos cada edição lançada e eventos que apoiamos, com cerca de 800 pessoas cadastradas. No entanto, sabemos que, por sua própria natureza, indiretamente atingimos mais pessoas (seja pelo repasse da edição impressa, seja através de redirecionamentos na internet). Ao todo imaginamos que o número total esteja por volta de 7.000 pessoas por mês.

O Informativo foi premiado no ano de 2010 pelo prêmio Pontos de Mídia Livre do Governo Federal. Você acredita que isso aconteceu devido a quê?
Primeiramente pela própria concepção do projeto que é uma ideia muito bacana, tem um baita significado e pode representar o suporte para muitas transformações para as pessoas de nossa cidade, aos artistas e realizadores em particular. Segundo pelo projeto que enviamos; passamos cerca de um mês e meio entre planejamento, escrita e diagramação. A consequência disso foi um projeto bem coeso e realista, o que acreditamos ser algo que eles (os avaliadores) esperam. E por ultimo, mas não menos importante, acreditamos que o Informativo Ôxe! vai muito de encontro com as diretrizes que norteiam atualmente o MinC e mais precisamente o Programa Cultura Viva, através do Pontos de Mídia Livre, ou seja, democratizar o acesso a fruição e produção de cultura, aos meios de produção livres para todos e o apoio à iniciativas culturais que já acontecem independentes do poder público em todo o Brasil.

Antes do prêmio, como o Informativo se sustentava?
O Ôxe! se sustentava e ainda se sustenta (já que a premiação ainda não foi liberada pelo MinC) através da venda de espaços publicitários para os comércios locais; e o apoio, através de doações, de pessoas que simpatizam com a ideia e com o veículo. Futuramente não pretendemos abandonar esta forma de captação, mas ao contrário, ampliá-la com a venda de produtos que levem a marca do Informativo Ôxe!.

Quem faz parte da Equipe Oxê! e quais são suas devidas funções?
A equipe de produção, hoje, é composta por quatro pessoas: Eu, Fábia Pierangelli, Mariana Moura e Gilberto Araújo. Eu cuido da parte de Planejamento, Edição, Diagramação (versão impressa) e Distribuição. A Fábia cuida da Produção, Captação, Comunicação e Distribuição. Mariana Moura é responsável pela Fotografia, Edição e Assistência na Produção. Gilberto Araújo cuida das Mídias On-Line. Fora isso temos cerca de 15 colaboradores externos que regularmente enviam conteúdos (artigos, desenhos, imagens, poesias, etc.) para serem publicados e outros tantos colaboradores esporádicos. Em 2011 teremos também dois grupos, com cerca de 12 pessoas ao todo, que manterão colunas regulares sobre Ciência e Literatura.

Hoje vocês tem outros empregos ou conseguem se manter financeiramente apenas com o trabalho no Ôxe! ?
O trabalho ainda é voluntário no Ôxe!, mas desde o começo deste ano minha única atividade profissional é esta iniciativa e outros projetos dos quais participo em paralelo a ela.

Durante sua vida você trabalhou em muitos empregos? Quais?
Já fiz muitas coisas, mas não acho que tenha trabalhado em muitos empregos; fui arte-finalista, professor, técnico em eletrônica digital e micro-empresário. Na maior parte trabalhei no setor privado e só recentemente passei para o chamado terceiro setor.

Hoje você está satisfeito com o formato do Ôxe? Quais são seus anseios e vontades? Acha que precisa de modificações? Quais?
Não, acredito que ainda estamos longe do formato ideal. O número de pessoas que colaboram com conteúdo no Ôxe! tem aumentado e nosso espaço continua o mesmo, alem de que, a necessidade de mantermos a iniciativa viva faz com que os espaços publicitários acabem rivalizando com o conteúdo. Ou seja, precisamos pelo menos dobrar o número de páginas e encontrar uma nova maneira de conseguirmos apoio mais seletivo e substancial do comercio local. Ademais ainda não atingimos muitos bairros na cidade, quem dirá na região; e as edições somem dos pontos de distribuição na mesma semana em que a colocamos lá. Precisamos igualmente dobrar a tiragem do informativo, o que ainda será pouco, se levarmos em consideração que iremos atingir pouco mais de 6% da população. Esperamos ver o Informativo em toda a região, mas isso ainda é um sonho um pouco distante.

O que você acha que o Ôxe representa para a sociedade?
Abarcando três aspectos da vida em comunidade (comportamento, sociedade e cultura), hoje o Informativo Ôxe! representa para Francisco Morato liberdade de expressão e produção, acesso à cultura, incentivo à leitura e escrita, inclusão digital e exercício da cidadania. Gostamos de pensar que, por outro lado, contribuímos com um exemplo de uso prático de soluções baseadas em Software Livre (como é o caso do Linux e seus derivados), de geração de Conteúdos Livres (baseado na Creative Commons) e de iniciativas de base e suporte para um desenvolvimento maior da cultura em regiões carentes. Sendo assim, pensamos que contribuímos no fortalecimento da comunidade de Software Livre no país, o que permite a qualquer pessoas fazer uso de softwares e sistemas operacionais independente de seu poder aquisitivo; no fortalecimento e difusão da licença Creative Commons e de conteúdos que estejam disponíveis para que qualquer pessoa possa fazer uso em suas próprias criações; e, mais especificamente, com a sociedade moratense ao procurar colocar a discussão sobre Arte, Cultura e Sociedade na pauta da cidade.

E quais os planos e projetos para o futuro?
Sustentabilidade é a palavra de ordem para nós! O que inclui a remuneração de toda a equipe de produção de maneira continuada até, pelo menos, 2015. Desse modo esperamos poder fazer mais e melhor, o que tem a ver com o outro lado do planejamento. Até 2012 pretendemos conseguir dobrar tanto a tiragem, quanto o número de páginas do informativo, chegando, senão em todos, na maior parte dos bairros da cidade. De 2015 em diante ainda não definimos, mas muito provavelmente seguirá a mesma tendência: construir cada vez mais um veículo melhor, mais democrático, próximo às pessoas, livre, agradável, libertário e que possa contribuir positivamente com a cidade.

Você se considera uma pessoa de sucesso?
Não sei. Sempre tive certa antipatia pela palavra “sucesso”. Há algum tempo desejei e propus a mim mesmo certas mudanças e atualmente venho conseguindo atingir muitas delas. Decidi não apenas poder “pagar as contas”, mas poder “pagar as contas” fazendo algo que me propiciasse realização também e que tivesse significado para mim. Queria trabalhar profissionalmente em algo não só pela carreira ou dinheiro mas pelo prazer de fazer aquilo. Descobri o que era isso para mim, larguei o que tinha então e acho que estou aos poucos conseguindo atingir isso. Em um nível mais pessoal ainda tenho uma família fantástica que tem me apoiado nessas mudanças, uma namorada maravilhosa que é minha melhor amiga, parceira, confidente e muito mais; uma casa aconchegante e hospitaleira; TV à cabo e um cachorro alegre, simpático e completamente pirado. O que mais eu poderia querer? Se isso é ter sucesso, então talvez eu seja mesmo uma pessoa de sucesso.

Você acha que o Informativo Ôxe! é uma iniciativa de sucesso?
Se levarmos em conta que a iniciativa tem hoje pouco mais de um ano e já atingiu muito do que inicialmente pensamos e em alguns casos até nos surpreendeu. Se pensarmos que nesse tempo ela já foi contemplada com um prêmio federal. Que caminhamos firmemente rumo a uma situação estabilizada de sustentabilidade. Que ela teve uma ampla aceitação junto a população, que conseguiu mobilizar uma pequena parte da população de modo voluntario, que foi capaz de gerar alguns efeitos na mídia moratense e no modo como os dirigentes olham para as iniciativas culturais da cidade. Então acho que podemos dizer que ela está indo muito bem e cumprindo bem o seu papel. Acho que o Informativo Ôxe tem um futuro brilhante e tem tudo para poder alcançá-lo, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Temos conseguido com ele atingir diversos objetivos que nos propomos, muitos em âmbito coletivo para a cidade e até alguns pessoais, mas está muito cedo para dizermos que é algo perene. Sucesso? Tentando ser simpático com a palavra diria que estamos caminho na direção certa, mas ainda não atingimos ele.

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