segunda-feira, 4 de julho de 2005

Fome de Atuação

Fome de Atuação
Crítica: Marici Salomão
Peça: Revolução Na América do Sul

A Cia.


Teatro em Carne e Osso formou-se a partir uma oficina de teatro e, depois de várias experimentações com a obra de Augusto Boal, tornou-se grupo com a montagem de Revolução na América do Sul, do referido autor. Retomar uma peça datada, com implicações político-sociais da década de 60, poderia reverter em passadismo desconfortável ou, no mínimo, ingênuo.
No entanto, o grupo soube como contornar esse fator de risco, centrando a força da montagem nas atuações vigorosas, o que delegou ao segundo plano – por assim dizer – o peso do discurso de esquerda sessentista que permeia as opções do dramaturgo Boal. O resultado é bom. Mas não deixa de soar como um exercício completo e divertido, com algumas cenas mal marcadas, alguns personagens mal-constituídos.Soa ainda um pouco distante da idéia de espetáculo enquanto acabamento.
Destaca-se a atuação da atriz Luana Farias, que tem um registro de voz diferenciado, facilitando a empatia com a platéia. O time é afinado e também merece destaque: Luciene Santos, Mariana Moura, Maycon Franzoni e Meire Ramos. 
É necessário destacar que a liberdade com que a diretora Fábia Pirangeli conduziu as cenas e a composição de tipos redundou numa montagem em grande parte vigorosa e cômica.
Ao optar pelo sistema “curinga”, em que os atores se revezam no papel principal, Fábia acertou mais uma vez: atores livres cumprindo o destino da criação individual, sem (so)negar o trabalho em conjunto, em que cada “jogador” depende do outro para que a razão de ser do teatro se estabeleça.
A peça aborda a trajetória de José da Silva, um homem desempregado e faminto, que tenta a ajuda de políticos, em período de acirramento dos movimentos nacionalistas para as eleições municipais. José da Silva, joguete-metáfora do povo brasileiro, não encontra final feliz em seu percurso.
Assumindo as caricaturas do homem ignorante, do político corrupto, da jornalista sem ideologia, da dona de casa obcecada apenas pelo pão de cada dia, a montagem de A Revolução na América do Sul, pelo Teatro em Carne e Osso, prova o saldo do investimento nos atores que, além de inteligência, fazem da fome de atuar presente para o público.
Pode ser o início de um percurso do grupo em direção a um teatro de grande qualidade. Para isso, é preciso que a diretora e o grupo dediquem mais atenção ao todo, da trilha sonora executada ao vivo à iluminação do espetáculo, elementos que, somados a uma cena às vezes suja e pouco explorada, são ainda incipientes no conceito da montagem.





(Sobre a apresentação da peça no festival Mapa Cultural Paulista 2007/2008)

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